A poesia está no verso_
e em todos os outros espaços desta exposição.

Por Victor Gorgulho

Em sua segunda individual na Matias Brotas Arte Contemporânea, o artista carioca Antonio Bokel apresenta uma série de novas obras, realizadas em sua maioria do último para cá. Em conjunto, endossam aquele que talvez seja o aspecto mais marcante de sua produção: sua capacidade singular de trânsito entre suportes dos mais diversos, entre pinturas, esculturas, desenhos, instalações, objetos e demais mídias.

Suspenso no espaço, o trabalho que dá título à mostra, sugere – implacavelmente – o signo que percorrerá quase todas as outras obras da exposição: o vazio, seja ele expresso na ausência formal de uma composição geométrica, seja explícito discursivamente no emprego do texto visual em algumas das obras aqui expostas. É justamente este vazio quem melhor nos conduz por entre o corpo de obras realizadas por Bokel em sua produção recente. Tomado por um ímpeto de investigar o silêncio, o interdito, este precioso intervalo entre um ruído e o outro (som onipresente na esquizofrenia contemporânea de nossos tempos), o artista faz desta busca uma delicada especulação poética, visual e discursiva.

Logo na entrada do espaço, como uma espécie de prólogo da exposição, o visitante irá deparar-se com “Possibilidade de Infinito”, obra realizada pelo artista ainda em 2017, onde um desenho em grafite de formas esféricas é interrompido por um vasto espaço retangular em branco, no centro da obra. Instaura-se, então, a dúvida: tal desenho resultaria no encontro entre duas esferas que, enlaçadas, formariam o símbolo do infinito? Ou, por vias opostas, tais esferas nem chegariam a encontrar-se, sem formar qualquer ponto de colisão e contato? Uma interseção impossível?

Como em qualquer ato especulativo, a dúvida e a incerteza são, também elas, fiéis escudeiras tanto do fazer artístico de Bokel quanto do espectador de suas obras. Não estamos diante de uma produção que busca estabelecer certezas concretas, verdades inquestionáveis e inequívocas. Na contramão de um mundo de visibilidades extremas e opiniões polarizadas, o gesto artístico aqui reforça justamente o terreno do não-saber, um fértil território da escavação de possibilidades outras de visões de mundo.

Outro aspecto que corrobora tal dimensão é a investigação empreendida pelo artista, desde o início de sua produção, de uma geometria afetiva, quase randômica, distante do cartesianismo e do rigor próprios da tradição construtiva da arte brasileira das décadas de 1960 e 1970, notadamente através das produções concretistas e neoconcretistas.

As formas, aqui, estão suspensas, por vezes errantes, em um delicado equilíbrio de forças que quase não as permite manterem-se erguidas, de pé. Em rota de colisão ou em queda livre, estão a encarar-nos em sua rígida fluidez poética. A poesia está no verso e os sonhos estão despedaçados (ou buscando reconstruírem-se?) dispostos no chão, logo atrás da obra título. Mas a “esperança equilibrista”, força incontestável do gesto artístico de Bokel, permeia cada uma das obras expostas aqui no espaço. A poesia está no verso e também diante de nós, a perfurar nossas retinas e recarregar nossas crenças – na arte e na vida, afinal.