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Exposição “Nada Além das Palavras”

ANTONIO BOKEL
de 16 de junho de 2016 a 04 de agosto de 2016

Sob curadoria de Daniela Name, a individual do artista, que foi inaugurada no último dia 16 de junho, traz pela primeira vez em 10 anos uma intervenção na monumental fachada da galeria.

A mostra, que abre o calendário de exposições da galeria, reúne um conjunto de trabalhos recentes do artista, a maioria criados especialmente para a exposição. Além de pinturas, algumas de tamanho monumental, Bokel apresenta também uma escultura em bronze e uma fotografia. Segundo o próprio artista, a mostra é muito gráfica. “Uso muitas impressões em tela. Figuras geométricas se misturam com ruídos e palavras. Texturas e blocos brancos, que tapam a pintura em camadas de tinta, são elementos frequentes. Também falo sobre a constante briga da natureza para sobreviver no asfalto, do embate do urbano e do natural”, explica Bokel.

Na visão da curadora e crítica de arte da mostra, Daniela Name, ‘Nada além das palavras’ enfatiza a relação da obra do artista com dois universos: o da palavra e o da gravura.  Segundo Daniela, a trajetória do Bokel é marcada pela relação com o grafite e uma espécie de escrita urbana. “Nós podemos pensar que, quando ainda vivia em cavernas, o homem já desenhava para se expressar, para se comunicar, para ter uma linguagem antes mesmo de ter um alfabeto”, diz a curadora.

Com o objetivo de criar um diálogo com a cidade de Vitoria, Bokel realizou, juntamente com os artistas Raphael Genuíno e Alex Vieira, uma intervenção pela capital capixaba, envolvendo 13 pontos da cidade. O nome da individual “Nada além das palavras” foi usado em um grupo de cartazes do tipo lambe-lambe, que o artista espalhou pelas ruas.

Leia mais em “hieroglifos contemporaneos” por Daniela Name

HIERÓGLIFOS CONTEMPORÂNEOS

“Eu preciso dessas palavras escritas”
Arthur Bispo do Rosário

A relação de Antonio Bokel com as palavras e com o grafite ganha destaque e novos significados nessa primeira individual do artista em Vitória. O que se vê, não apenas no interior da galeria Matias Brotas, mas também na obra que vaza para além do espaço expositivo – na intervenção feita na fachada e nos lambes-lambes espalhados pela cidade – é a afirmação do interesse do artista pela escrita.

Nas cavernas de Lascaux, as primeiras pinturas foram e são simultaneamente arte e comunicação, conjunto de signos gráficos e figurativos que formam uma linguagem a ser decifrada, um vocabulário visual anterior aos alfabetos. Do Brasil à China, da Rússia ao mundo árabe, passando pelos alfabetos grego e esquimó, cada letra guarda em si a memória de uma imagem, que um dia foi desenho a tentar narrar e guardar o mundo para o tempo. As palavras não deixam de ser uma espécie de arquivo fantasmático, e a sobrevivência do casamento entre desenho e letras nos ideogramas japoneses aponta para a possibilidade de que as palavras também podem ser uma espécie de paisagem, um horizonte instável, mas sempre possível, onde se buscar indícios de uma cultura e uma sociedade.

Bokel começou a mirar esse horizonte a partir de sua relação com o grafite e as intervenções urbanas. Sua pintura tinha, em seus primeiros passos, forte vínculo com a obra de artistas como Jean-Michel Basquiat e Keith Haring. Nada além das palavras apresenta um amadurecimento do artista carioca para além das referências da arte urbana. O conjunto de trabalhos apresentados na exposição destaca não apenas a sobreposição entre palavra e imagem – e a leitura do grafite como uma espécie de hieróglifo contemporâneo – mas também sua capacidade de criar cruzamentos entre as várias linguagens artísticas.

Nas telas maiores, quase monumentais, as áreas de monocromia, sobretudo na cor branca, lembram as máscaras de extênsil usadas para pintar e escrever nos muros da cidade e evidenciam a presença de um vocabulário de gravura se infiltrando no fazer pictórico. É interessante, ainda, ver como tanto nos trabalhos agigantados quanto nas pequenas pinturas há um arranjo aparentemente randômico entre uma paisagem que parece ter sido feita com carimbos ou com monotipia, áreas monocromáticas e o grafismo. Neste último há a recorrência dos círculos, elemento que faz da escrita de Bokel algo cíclico e feminino. Ao criar um painel feito de ruídos e de distinções, pintando como quem faz uma espécie de sampler, Bokel transpõe para seu trabalho um pouco da lógic adas cidades, onde cartazes e letreiros se acumulam e se invadem nos muros e se misturam à vegetação, à identidade visual dos ônibus em movimento, às cores dos carros e dos passantes. Essa noção da cidade como um painel de signos efêmeros, em constante reconfiguração, aparece não apenas nas pinturas, mas também nos trabalhos em outros suportes – escultura, fotografia ou gravura.

No conjunto exposto na Matias Brotas, o artista adiciona a alguns desses mosaicos de fragmentos áreas inteiras pintadas de dourado, o que causa estranheza – a melhor das estranhezas – no observador. Cor ancestral para a história da pintura (dos ícones bizantinos a Klimt, passando pelas iluminuras medievais) e da arquitetura (das igrejas barrocas brasileiras aos palácios Ming), o dourado é o brilho mais branco que o branco, tom capaz de criar uma superfície ao mesmo tempo opaca e reflexiva, uma imagem que dura e reverbera na retina, no corpo e na memória de quem vê. Além de toda a sua carga histórica e simbólica, o dourado cria um estado de suspensão, algo como uma paisagem entre parênteses.

Ao optar pelo uso da cor, ora salpicando ouro sobre o branco, ora misturando-o a um vermelho árabe e oriental, Bokel dá à efemeridade um banho daquilo que está se alonga e que dura – como símbolo e estímulo visual. Algo que pode, quem sabe, roçar no eterno.

Daniela Name, curadora e crítica de arte.

‘Nada além das palavras’
Artista: Antonio Bokel
Curadoria: Daniela Name
Visitação gratuita – até 04 de agosto
Matias Brotas arte contemporânea
Avenida Carlos Gomes de Sá, 130, Vitória. (subida da Maternidade Santa Úrsula. Tel: (27)3327-6966.
Horário de funcionamento – Terça a sexta – das 10h às 19h e sábado das 10h às 15h